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Filarmónica Recreativa Cortense

Filarmónica Recreativa Cortense

Cortes do Meio, Concelho da Covilhã, Distrito de Castelo Branco

119 anos - 11/11/1899 a 11/11/2018

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Estávamos no ano de 1899 da era de Nosso Senhor Jesus Cristo, paroquiava a Freguesia de Cortes do Meio o Reverendo Padre Joaquim da Silva Gonçalves, ilustre conterrâneo dos Cortenses, e orgulho maior da jovem freguesia, acabada de nascer.

 

Homem culto, benevolente e de convicções precisas, alimentava no espírito uma ideia: Fundar na freguesia de Cortes do Meio uma banda filarmónica; e do sonho à realidade, foi um passo. Pensou... e agiu.

 

Segundo o relato dos nossos antepassados, num célebre dia do dito ano, de 1899, o Reverendo Padre Silva, sem que nada o fizesse esperar, pegou num clarinete e deu volta as ruas da freguesia a tocar, fazendo-se acompanhar de um tal senhor João Lisboa, que tocava uma caixa.

 

Os paroquianos desceram à rua, para ouvir e manifestar de perto a sua alegria e encantamento, por tão brilhante iniciativa.

 

Por entre aclamações de júbilo dos populares, o ilustre Prior, foi lançando a ideia de criação de uma banda filarmónica na freguesia, que logo foi aceite com caloroso entusiasmo pelos paroquianos, (já desaparecidos), a quem prestamos merecida homenagem.

 

Não obstante o entusiasmo e as boas intenções pessoais, surgiram a princípio alguma dificuldades na instalação da Banda, principalmente por razões de ordem económica.

 

É conhecido o estado de carência em que as pessoas viviam à época, e o ingresso na banda, foi condicionado inicialmente à compra do necessário instrumento, pelo próprio – avaliado ao que parece por duas libras em ouro ou nove escudos; que na altura tinha muito valor.

 

A título de curiosidade, referem-se como primeiros fundadores da banda os senhores: Joaquim Bartolomeu, Francisco Marques, José Alves Carrola e Francisco Poeta... entre outros.

 

Ultrapassadas as dificuldades, passou-se à acção, e honra seja feita: O senhor Padre Silva, ficou célebre como o fundador e primeiro mestre da banda, à frente da qual se manteve, com brio e por vários anos.

 

Ao Senhor Padre Silva, sucedeu o seu irmão: senhor José Gonçalves Silva, homem igualmente culto e com bons conhecimentos musicais, o qual se assumiu como mestre da banda durante algum tempo.

 

Divergências de vária ordem, não excluindo razões económicas, foram criando entre os músicos um clima de desconfiança e hostilidade em relação ao mestre José Gonçalves, levando à dissolução da banda, de forma algo insólita: - Um dia, quando se reuniam no salão habitual (junto à fonte pública), para os ensaios do costume, um a um, os músicos foram saindo, ás escondidas do mestre, com o respectivo instrumento; indo de seguida reunir-se numa outra casa, sob a orientação de um mestre por eles escolhido de comum acordo, que na circunstância recaíu sobre o senhor José Alves Carrola, que durante muitos anos se assumiu como mestre, com competência e mérito.

 

De salientar que com o mestre Alves Carrola, integravam a música mais três irmãos desse; o que, como é óbvio, terão influenciado na decisão da sua escolha. Um certo dia, a Banda, em cumprimento dos seus compromissos, foi tocar à Covilhã, onde, por razões de programa, teve necessidade de pernoitar. Como alguns músicos perturbaram o silêncio durante a noite, de forma ousada e abusiva, o mestre fez alguns apelos à calma, para que se pudesse dormir, tendo sido desrespeitado por alguns músicos mais insubordinados.

 

Profundamente ofendido na sua dignidade, e sem um pedido de desculpas, na manhã seguinte, o mestre Alves Carrola e os seus três irmãos, abandonaram a banda e regressaram a sua terra.

 

Nesse dia, a Banda, à rebelia do mestre, assumiu o compromisso de tocar, sob a orientação do músico: Joaquim Esteves da Silva, (mais conhecido por Joaquim Antunes), que a partir de então passou a ser o mestre; e por muitos anos, com reconhecido valor.

 

O povo da Covilhã, aplaudiu calorosamente a banda sob orientação do “novo mestre”, dizendo entusiasmado, que nem se notava a falta de outros elementos. O Ex - Mestre Alves Carrola, auto-admitido, mas com um grande talento e paixão, não se resignou, e foi fundar a Banda da Bouça; que durante alguns anos, viveu em constante represália contra a banda das Cortes.

 

Acresce salientar que os músicos antigos, eram extremamente bairristas. Trabalhavam por amor à farda, e não se poupavam a sacrifícios para levar a nossa cultura musical as terras vizinhas; que as vezes ficavam a muitos km de distância. Se ser músico já exigia esforço e sacrifício, ser mestre, requeria uma dedicação redobrada, que se traduzia em muitas horas de trabalho e muitos dias e noites perdidas. Para obviar alguns custos e esforços desmedidos, o mestre Antunes, propôs à direcção da banda, que lhe fosse pago um suplemento de quatrocentos escudos anuais, para continuar a dirigir os destinos da filarmónica, como mestre.

 

A princípio, não houve qualquer contestação por parte dos elementos da banda. Alguns anos depois, os músicos começaram a cansar-se do mestre, mais uma vez; e tomaram mesmo algumas atitudes menos dignas; chegando ao ponto de assumir compromissos para uma festa, sem o conhecimento do mestre.

 

Este, avisado inatempadamente, não respeitou compromissos assumidos arbitrariamente, argumentando falta de ensaio para a preparação da banda.

 

Á rebelia do mestre Antunes, os músicos saíram sozinhos e foram fazer a festa à Freguesia de Unhais da Serra. Lá, nomearam o mestre á DOC, na circunstância o senhor Joaquim Bartolomeu, que beneficiando de um mínimo de preparação dos músicos, se portou razoavelmente.

 

Em solidariedade com o mestre Antunes, se mantiveram os dois irmãos deste e alguns filhos. No regresso, os músicos ficaram revoltados com o mestre Antunes e seus irmãos, e a direcção da banda quis obriga-los a entregar a farda e a pagar as Letras por que eram responsáveis, no valor de duzentos e cinquenta escudos.

 

A família Antunes, comprometeu-se a entregar a farda; mas recusou-se a pagar as Letras; já que em seu entender não foram eles que decidiram abandonar a banda.

 

Perante isto, a Direcção, decidiu que os Esteves podiam continuar na banda; mas o senhor Joaquim Antunes perdia o lugar de mestre. Entretanto, a direcção contactou um novo mestre fora da freguesia; e no Domingo seguinte, o Mestre António (como se chamava), apresentou-se no ensaio.

 

Os fracos conhecimentos musicais deste, suscitaram-lhe algumas dúvidas e muita dificuldade em ensaiar alguns números; tendo mesmo sendo advertido pelo ex mestre Antunes, que por aquele caminho, nunca chegaria a ensaiar os números em causa... o que, como é óbvio, lhe causou um grande embaraço.

 

No final do ensaio, o mestre António, recém contratado para dirigir a banda, queixou-se a direcção dizendo que duas mestras num cortiço não funcionava: portanto, ou saía o senhor mestre Antunes ou saía ele “Mestre António”.

 

Confrontada com esta sugestão a direcção decidiu-se pela saída dos Esteves sem o pagamento das Letras.

 

A banda, ficou então entregue ao mestre António; mas por pouco tempo... já que o contrato dele implicava uma despesa considerável e algo desajustáda as disponibilidades financeiras das pessoas.

 

Algum tempo depois, a Direcção da Banda, acompanhada de alguns músicos mais conceituados, foram a casa do mestre Antunes apresentar as desculpas; e convidá-lo a reconsiderar, ou melhor, a disponibilizar-se para dirigir de novo a banda das Cortes.

 

O bairrismo e a sua grande paixão pela música, levaram novamente o mestre Antunes a assumir o lugar de mestre da banda, não obstante o esforço e sacrifício que isso lhe acarretava.

 

Pouco tempo depois, já se preparava a rebelião que viria a por fim definitivo à carreira Antunes, enquanto mestre da banda.

Grande parte dos elementos da música, eram operários na fábrica de Unhais da Serra.

 

Não se sabe se por diferença de classe ou outra qualquer razão, o certo é que o mestre Antunes não era bem visto pelos operários.

A caminho da fábrica e no regresso, os operários foram ensaiando a maneira de excluir o referido mestre e pensando no substituto para a ocupação do lugar.

 

E se bem o pensaram, melhor o fizeram.

 

A conspiração estava planeada e o mestre escolhido.

 

Num determinado Domingo, os músicos operários, chegaram primeiro ao ensaio; e quando o mestre Antunes chegou já se encontravam a tocar. Quando este entrou na sala e se preparava para tomar lugar, os ditos músicos exclamaram: - Não foi isto que se combinou... e saíram em bloco para a rua.

 

Ao ver-se defraudado, o mestre Joaquim Antunes, abandonou a sala e retirou-se.

 

Os músicos revoltosos, reentraram então no ensaio e continuaram a tocar, já sob a orientação do novo mestre: Senhor José Quintela Grancho. Isto, há 47 ou 48 anos ... sensivelmente.

 

Depois deste, seguiu-se um interregno de alguns anos; até ao momento em que a Banda das Cortes ressurgiu das cinzas pelas mãos do Senhor Pires, a quem se reconhece merecido esforço e todos prestamos a nossa homenagem.

 

Esta, é a pequena história de uma grande colectividade e que tem para nós um duplo significado:

Estimular o entusiasmo dos vivos e venerar os mortos. VIVA A BANDA DAS CORTES! ...

 

 

António Esteves da Silva 19/05/1997