Joana Carneiro. Sangue novo na orquestra
Uma semana após ter dirigido ópera no CCB, faz dois concertos com a Sinfónica Portuguesa na Gulbenkian e no dia seguinte, dirige um concerto de apoio aos refugiados. Lançamos um olhar sobre a maestrina que se apaixonou pelo Chiado desde que foi para o Teatro São Carlos
Ela não pára: uma semana após a A Flowering Tree no CCB, Joana Carneiro leva a Sinfónica Portuguesa à Gulbenkian para dois concertos. E hoje dirige o concerto "Música Sem Fronteiras", de apoio aos refugiados, no CCB. Da Gulbenkian, Risto Nieminen, diretor do Serviço de Música, gaba-lhe "a capacidade musical, o empenho, a energia contagiante e a vontade de fazer", enquanto Adriano Jordão, ex-administrador do São Carlos, destaca "a frescura de ideias e o sangue novo que ela deu à OSP" e a capacidade de "agitar as águas", reforçada pelo "poder mediático muito grande".
O entusiasmo é imagem de marca da maestrina de 39 anos. O mesmo que há mais de 20 anos a levou a querer ser diretora de orquestra. Foi na Academia Nacional Superior de Orquestra (ANSO) que o sonho tomou forma: "A primeira vez que me puseram à frente de uma orquestra terá sido em novembro de 1994 e dirigi o 1.º andamento da 1.ª Sinfonia de Beethoven." A segunda foi diferente: "Já foi num concerto, e aí foi a Petite Symphonie de Gounod." Numa e noutra, com a Orquestra Académica Metropolitana (OAM), orquestra de alunos da ANSO.
Hoje, reconhece "o curso bem estruturado" e a instituição que sempre a apoiou: "Logo desde que acabei o curso, deram-me oportunidade de dirigir a OAM e a própria Metropolitana com regularidade, o que foi muito importante para a minha evolução e para o que fui conseguindo entretanto, nesses anos."
Primeiros sucessos
Estes conseguimentos têm por palco os EUA, para onde vai em 1999, primeiramente Chicago - "a minha cidade preferida", onde "é uma maravilha estar-se". Um "museu arquitetónico" e cidade dotada de "vida cultural enorme, porém sem nos esmagar". Desses anos americanos retém dois acontecimentos marcantes: uma masterclass que fez em 2001, em Miami, com o maestro Michael Tilson Thomas, em que foi cooptada para dirigir num concerto em que estavam pessoas muito influentes na plateia; e, não muito depois, o Concurso Maazel-Vilar, em Nova Iorque, em que recebeu o Prémio do Júri. "Foi aí que me associei à agência que me representa até hoje. Foram dois momentos que mudaram a minha vida", conclui.
A gestão do tempo
Hoje, Joana tem cargos titulares em Lisboa (com a OSP) e na Califórnia (Orquestra de Berkeley), a que se soma a Fundação Gulbenkian - é maestrina convidada da orquestra e diretora artística do Estágio Gulbenkian de Orquestra. Depois, vêm todos os compromissos enquanto maestrina convidada pelo mundo fora: "Entre setembro e junho, tento não estar mais do que 16 a 20 semanas fora, incluindo Berkeley, e tento passar o verão cá, para conseguir criar uma certa rotina de permanência." A não ser que surja um convite irrecusável, como sucedeu neste ano. "Em agosto, vou à Califórnia dirigir a Los Angeles Philharmonic", revela.
A esfera privada
Vinda de uma família numerosa (é a terceira de nove filhos), Joana ainda não é mãe: "Há-de acontecer, com certeza", diz, com bonomia. Ela e José casaram-se em 2011, "no Sobralinho, perto de Vila Franca de Xira". Ele "é cirurgião geral e exerce no Hospital de Loures e no da Luz". Vivem na Alta de Lisboa - "perto do aeroporto, o que é muito conveniente..." Quando está de malas no check-in, não é raro ter o marido ao lado: "Por sorte, se forem concertos ao fim de semana, ele tem por vezes a possibilidade de me acompanhar, o que minimiza o tempo de separação." "Com boa coordenação pessoal e familiar, consigo fazer duas semanas cá e duas fora, a maior parte do tempo."
O tempo cá, quando livre, é para ler, passear, ir ao cinema, ir a espetáculos, mas sobretudo para conviver com a família alargada e com os amigos. O seu "calcanhar de Aquiles" é o exercício físico: "Sempre tive uma relação difícil com isso." Avisos não faltam: "O maestro Esa-Pekka Salonen, um dos meus mentores, diz-me sempre que temos de tratar do corpo como um atleta de alta competição." Mas ainda não se resolveu - "faço bastante fisioterapia, para aligeirar tensões acumuladas e prevenir lesões".
O cargo no São Carlos mudou a sua visão sobre o Chiado. "Tornou-se uma zona mágica da cidade para mim!", refere, adiantando que, nessa zona, o teatro é o seu local preferido. "Adoro-o, é uma sala mágica." Tanto que "às vezes vou para a sala só para sentir como é inacreditável estar aqui". Por estes dias, é cicerone de um casal especial. "Todos os anos, em Berkeley, no âmbito do fundraising, é vendido o pacote Joana at Home que oferece a patrocinadores particulares a possibilidade de passarem um período em Lisboa, assistindo a concertos, acompanhando-me, visitando-me em casa..., vendo como é a minha vida no meu país." Um exemplo da ligação forte entre orquestra e comunidade existente em Berkeley. Se a deixarem, é certo que Joana saberá arranjar tempo para ligar fortemente Lisboa à Sinfónica Portuguesa e vice-versa. "A esperança em objetivos tem de ser ativa e temos de estar dispostos a alimentá-la", diz.